quarta-feira, 23 de maio de 2012

Maiores Jogos da História do Flamengo: 16/02/86 - Flamengo 4 x 1 Fluminense




Jogos Inesquecíveis: 
16/02/1986 - Flamengo 4 x 1 Fluminense

"Zico sentiu falta do Rio de Janeiro e decidiu, aos 32 anos, voltar para sua terra natal. Reestreou pelo Flamengo num amistoso festivo contra um time de Amigos de Zico. Depois disputou uma série de amistosos preparatórios para o Campeonato Carioca. Quisera aquele campeonato não houvesse começado. Depois de uma estreia goleando por 5 a 0 o Bonsucesso, veio a fatídica segunda rodada, quando o Flamengo empatou por 0 a 0 com o Bangu no Maracanã, partida na qual uma entrada desleal do lateral direito Márcio Nunes acertou com os dois pés o joelho esquerdo de Zico, provocando o rompimento dos ligamentos cruzados.

O time nesta partida; de pé, da esquerda para a direita: Leandro,
Cantareli, Mozer, Andrade, Jorginho e Adalberto; agachados: Bebeto,
Sócrates, Chiquinho, Zico e Adílio.


O maior jogador da história do Flamengo teve que se submeter a diversas operações e não voltou mais a jogar em 1985. Voltou na abertura do Carioca de 1986, e brilhando. O Flamengo venceu o Fluminense por 4 a 1, com três gols de Zico e um de Bebeto. Esse jogo encheu a torcida rubro-negra de esperança, mas, poucos jogos depois, o Galinho voltou a sentir a contusão e a ficar parado". (A NAÇÃO, pg. 145)



Ficha Técnica
16/02/1986 - Flamengo 4 x 1 Fluminense
Local: Maracanã, Rio de Janeiro (Público: 84.303 pagantes)
Gols: Zico (10'1T), Leomir (43'1T), Zico (27'2T), Bebeto (30'2T) e Zico (34'2T)
Fla: Cantareli, Jorginho, Leandro, Mozer e Adalberto; Andrade, Sócrates e Zico; Bebeto, Chiquinho e Adílio.
Téc: Sebastião Lazaroni
Flu: Paulo Vítor, Alexandre Torres (Renato Martins), Vica, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Leomir e Renê Weber; Romerito, Gallo (Édson) e Tato.
Téc: Nelsinho Rosa



A História do Jogo

Em 1985, Zico retornou ao Flamengo após duas temporadas na Udinese, da Itália. Após uma enorme expectativa pelo retorno do ídolo, uma entrada criminosa do lateral-direito do Bangu, Márcio Nunes, numa partida válida pelo Estadual de 85, quebrou-lhe a perna e gerou sérias consequências no joelho, que lhe forçaram a passar por sequenciais cirurgias para reparação dos ligamentos. O atentado carniceiro provocou nada menos que cinco lesões, entre as quais o rompimento do ligamento cruzado do joelho esquerdo.

Após meses afastado - quatro meses e meio para ser mais exato - a expectativa para o retorno do Galinho era enorme. E a festa foi marcada para a 1ª Rodada do Campeonato Carioca de 86. A expectativa ainda era maior porque a diretoria havia contratado Sócrates, e todos esperavam que os dois jogadores da Seleção Brasileira formassem um dos maiores meios de campo do país. E naquela tarde de domingo no Maracanã lá estavam os dois juntos. E nas arquibancadas a torcida rubro-negra, em êxtase, fazia mais uma vez a sua festa.

Porém, quando o camisa 10 da Gávea pisou no gramado do estádio naquele extremamente ensolarado domingo, a torcida adversária se julgou no direito de espezinhá-lo, de diminuí-lo, de decretá-lo acabado. Do lado direito das cabines de rádio, onde a torcida tricolor se aboletara, partia o grito: "Bichado! Bichado!". Há jogadores cuja personalidade, combinada obviamente a uma diferenciada qualidade técnica, não permitem que seja recomendável a provocação. Mas a dúvida era de todos. Como seu jogo estaria, do ponto de vista técnico, depois da operação?

Aquela tarde de 16 de fevereiro de 1986 era o dia seguinte à convocação do grupo de 29 jogadores escolhidos por Telê Santana para a preparação visando à Copa do Mundo a ser disputada no México. Em campo no Maracanã, seis selecionados: Leandro, Mozer, Sócrates – que fazia naquele dia a sua estreia oficial como rubro-negro – e Zico pelo lado do Flamengo; além do goleiro Paulo Vitor e do lateral Branco pelo lado do Fluminense.

Havia ainda aqueles que eram cotados, mas que acabaram ficando de fora da lista final, e tinham no clássico uma vitrine para tentarem uma última cartada, aproveitando-se de um ou outro corte que pudesse vir a acontecer. Eram os casos dos rubro-negros Andrade, Adílio e Bebeto, e dos tricolores Ricardo Gomes, Jandir e Tato. Por fim, o Fluminense também contava com Romerito, nome certo da Seleção do Paraguai naquela Copa do Mundo.

O primeiro a entrar em campo foi o Fluminense, então tri-campeão carioca, e desfalcado naquela tarde do meia Delei e do centroavante Washington. Em seguida entrou o Flamengo, com o camisa 10 puxando a fila na subida do túnel, sob os gritos tricolores de "Bichado! Bichado!". Bola rolando, e em sua primeira participação, o Galinho de Quintino ajudou Bebeto a desarmar Romerito no rebote de uma cobrança de falta e ligou um bom contra-ataque com Sócrates. O jogo em campo era muito bem jogado, e diga-se de passagem, de lado a lado. Era uma excepcional partida de futebol, e os primeiros minutos já mostravam isto.

O cronômetro se aproximava dos onze minutos quando Zico deu um bom passe para Bebeto, e foi derrubado. A jogada ia seguindo, mas o árbitro Luís Carlos Félix preferiu ignorar a lei da vantagem, voltar e marcar a infração no Galinho um pouco mais para trás, o que irritou a torcida rubro-negra. Zico então cobrou a falta rasteira, tabelou com Adílio, recebeu de volta, contornou a marcação e passou para Bebeto na entrada da área. O jovem Alexandre Torres, filho de Carlos Alberto Torres, improvisado naquela tarde como lateral-direito e que era estreante com a camisa tricolor, fez o corte por baixo, mas a bola sobrou para Adílio na esquerda, que cruzou a meia altura para o mergulho de Zico, num peixinho sensacional. Gol! Era seu 15º gol num Fla-Flu e o 698º da carreira. Imediatamente os gritos de "bichado" silenciaram no Maracanã.


O Flu reiniciou o jogo, e Zico mostrou o quanto estava com vontade de jogo. Primeiro fez um desarme na lateral, quando Alexandre Torres desceu pela direita, logo depois ganhou uma dividida forte no "pé de ferro" com o duro volante tricolor Jandir, e minutos depois faz um grande lançamento para Jorginho na direita, com o lateral cruzando e o centroavante Chiquinho furando. Zico parecia estar em todas as partes do campo.

Aos dezenove minutos, Zico acertou o bico do travessão de Paulo Vitor em sensacional cobrança de falta. Zico sobressaía e não errava um lance sequer. Sócrates, também se recuperando de uma fratura na tíbia esquerda, teve atuação mais discreta, mas orientava os mais jovens e jogava mais recuado, quase como um volante ao lado de Andrade. Já o camisa 10 da Gávea era visto dando combate, armando, desarmando, lançando, tabelando. Uma atuação impecável que ia se desenhando.

Na segunda metade da etapa inicial, o jogo esfriou um pouco e o Fluminense ameaçou em cabeçada forte de Ricardo Gomes, espalmada por Cantareli, em lance de muito reflexo. Zico respondeu aos trinta e dois, servindo Chiquinho na entrada da área com uma bola passada pelo buraco da agulha em meio às pernas tricolores, mas o centroavante não deu sequência. O Flamengo era melhor e tinha mais controle no meio-campo, mas sofreu o empate aos quarenta e quatro. Romerito escapou pela esquerda da área e foi travado com um carrinho por Andrade. O árbitro apitou pênalti, que Leomir bateu à meia altura, no canto esquerdo, deixando tudo igual. Os tricolores foram comemorar perto da bandeirinha de escanteio com gestos e acenos de adeus para a torcida rubro-negra.

Logo aos três minutos, Adílio passou para Bebeto na linha da pequena área, mas, desequilibrado, o camisa 7 perdeu a claríssima chance do gol de desempate. Aos seis, após uma boa troca de passes, Zico mandou um chute venenoso, encaixado pelo arqueiro tricolor. Aos nove, o Galinho girou sobre Vica na área e deu um passe genial de calcanhar entre as pernas do zagueiro tricolor para Adalberto, que bateu forte, mas Paulo Vitor espalmou. O time rubro-negro dominava amplamente. Aos vinte minutos, Adílio lançou por elevação para Sócrates na área, a zaga tricolor cortou, e a bola sobrou para Bebeto, que bateu forte e rasteiro, de primeira, com Branco salvando quase em cima da linha. O Flamengo encurrala o Fluminense, todo recuado em seu próprio campo, e o segundo gol parecia ser uma questão de tempo.

De tanto pressionar, veio a catarse: aos vinte e seis minutos, Andrade avançou em velocidade e a um passo da linha da área - a torcida chegou a pedir pênalti - foi parado com falta. Zico se apresentou e a torcida rubro-negra prendeu a respiração. Lá vai o craque, lá vai a bola alçando voo, flutuando sobre toda a superpovoada grande área, tal qual um satélite na órbita terrestre, até decair, bem ao se aproximar das traves do estático Paulo Vitor, que só pôde acompanhar com os olhos, num santo golpe de vista. Redes estufadas, bola na gaveta! Era o 16º gol de Zico num Fla-Flu, e o de número 699 na carreira.



Depois do golaço, magistral e histórico, o time rubro-negro partiu avassalador, e o Fluminense, atordoado, sentia os golpes. Era fim de tarde, já começo de noite. Zico recebeu uma boa bola de Adalberto, girou e gingou na frente de Vica, batendo forte para o arqueiro tricolor espalmar. Aos vinte e nove, Chiquinho roubou a bola quase na linha do meio-campo, entregou para Sócrates e recebeu de volta um belo passe em profundidade pela ponta direita, puxando a marcação. Abriu-se um buraco na defesa do Fluminense e o ataque rubro-negro aproveitou. O relógio chegava aos trinta, quando Chiquinho serviu a Bebeto, que apareceu como um raio, não se intimidando com a presença de Vica. Ele encheu o pé, num tiro cruzado: 3 a 1! A torcida rubro-negra explodia no Maracanã!

Atônito, o Fluminense começou a bater, revezando-se nas faltas. Vica entrou para rachar em Chiquinho. Zico relataria uma conversa que teve com Romerito naquele momento, com a bola parada: "Ele começou a mandar o seu time bater. Cheguei perto dele e pedi para que não fizesse isso. Ele me respondeu que também me quebraria". Aos jornalistas, o paraguaio contemporizou: "Apenas pedi a meus companheiros para chegarem junto".

Quatro minutos após o terceiro gol, Bebeto apanhou a sobra de uma dividida entre Branco e Jorginho, avançou em velocidade, deixou Vica para trás outra vez, e levou um trança-pé do zagueiro dentro da área, perto da linha de fundo: pênalti! E lá ia Zico mais uma vez. Era goleada: 4 a 1 Flamengo. Gol de número 17 de Zico no clássico. E o 700 da carreira.

Com o placar definido, o Galinho ainda tirou outras cartas da manga: num ataque tricolor, afastou o perigo da boca da área rubro-negra com uma bicicleta, que ligou um contra-ataque no qual quase saiu o quinto. Um minuto depois, na meia esquerda, desarmou o ponteiro Édson, avançou e passou para Bebeto, que fez o corta-luz para Chiquinho soltar uma bomba rasteira, dando mais uma vez trabalho ao arqueiro tricolor. Esmerilhando, o Flamengo tocava a bola, dava "olé" e gastava o tempo. Até o árbitro encerrar a festa.

Trancado no vestiário após o jogo, Zico se lembrou de tudo que enfrentara até aquele retorno e chorou. Foram dez minutos de desabafo de um atleta que derrotou na raça e no talento as desconfianças e os limites do próprio corpo. De um craque que nunca mais perderia para o Fluminense até o fim da carreira no Flamengo – encerrada, aliás, com mais uma goleada sobre os tricolores, 5 a 0 em Juiz de Fora, em dezembro de 1989, depois de outra vitória elástica, 4 a 0, em abril daquele ano. De um ídolo que ainda daria muitas alegrias ao povo rubro-negro, entre elas a campanha memorável na reta final da Copa União no ano seguinte. E de um gênio que acabava de presentear seu público com uma das maiores atuações individuais que o gigante Maracanã havia visto.




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