sábado, 2 de agosto de 2014

As "Engenharias Financeiras" da Era Kléber Leite e as consequências para o Flamengo

Relato do próprio Kléber Leite, presidente do Flamengo entre 1995 e 1998, postado em seu blog pessoal no dia 31 de julho de 2014: 

Recentemente, conversando com um amigo que fez parte da nossa diretoria no período de 1995 a 1998, fiquei surpreso ao notar que ele, meu amigo pessoal, que havia participado ativamente em duas gestões, pouco ou quase nada sabia sobre o assunto “Shopping Center”. Da mesma forma, ficou bem claro através das redes sociais a carência de informações relativas a este assunto. Imediatamente me veio a ideia de pesquisar este tema à fundo, pois jamais fui chamado pelo Flamengo para discutir ou colaborar na defesa do clube e, por meio deste blog, poder deixar registrado nos mínimos detalhes a verdade sobre esta página na vida do clube que, como já tive oportunidade de tornar público, tem um pouco de tudo: ganância, má fé, corrupção, inconsequência e irresponsabilidade. Ora, se quem conviveu neste período não domina o tema, como os mais jovens saberão?

Além disso, é uma ótima oportunidade para esclarecer fatos que são constantemente utilizados de forma indevida, por diversas correntes do clube, independente de partido.

1 - Quando assumimos o Flamengo em 1995, três rubro-negros tiveram que aportar do próprio bolso o equivalente a um milhão e oitocentos mil dólares (US$ 1.800.000,00) para que pudéssemos entrar no clube podendo encarar com dignidade os funcionários que estavam com seus salários atrasados, indo para o quarto mês. Mesmo com tantos problemas nunca deixamos de pensar o Flamengo no tamanho real dele e o primeiro passo foi encontrar mecanismos de faturamento que permitissem fazer do sonho realidade, com o futebol sendo o carro chefe, arrastando multidões para os estádios. Assim nasceu a ideia de se encontrar um grande ídolo, que fosse o veículo de comunicação entre o clube e o nosso povo, desacreditado e desanimado, pois terminamos 94 com duas derrotas para o América. Assim, nasceu o projeto de repatriar Romário, o maior jogador do mundo. Um belo projeto de marketing foi montado junto à iniciativa privada, sem um único centavo do clube, até porque o caixa era zero. Conseguimos atingir os quatro milhões e meio de dólares (US$ 4.500.000,00) e, após quase um mês em Barcelona, brigando muito (no bom sentido) com os espanhóis, o Flamengo voltava a ter um ídolo, um grande e inquestionável ídolo. Entre as empresas que participaram do pool, estava o grupo Multiplan que, a bem da verdade, foi decisivo, isto porque, aos 45 do segundo tempo, com tudo já acertado, a dobradinha Petrobrás/Prefeitura deu para trás e este espaço foi ocupado exatamente pelo Grupo Multiplan, grupo este, que fazia parte do consórcio vencedor para a construção do Shopping Center no Flamengo. Esta aproximação nos permitiu partir para uma segunda etapa do nosso objetivo. O ídolo o Flamengo já tinha. Agora, era preciso montar o time e, todos no futebol, entenderam que o melhor investimento seria trazer Edmundo, considerado à época, o melhor jogador em atividade no Brasil. Aí, começa a nossa história.

2 - Pela aproximação com o grupo ganhador para a construção do shopping, o Flamengo fez uma solicitação de empréstimo no valor de seis milhões de reais. Estes seis milhões seriam suficientes para comprar Edmundo, garantir mais uma folha de pagamento, resolver o tema de uma penhora e ainda sobraria um dinheirinho para outras emergências. Acabou não sobrando nada, pois embora aceitando fazer o empréstimo, o Consórcio Plaza, junção das empresas, Multiplan, Pinto de Almeida e Banco Bozano Simonsen, lembrou que já havia feito uma antecipação na gestão anterior à nossa, no valor de oitocentos mil reais. Em síntese, toparam emprestar cinco milhões e duzentos mil reais.

3 - Após a aprovação do empréstimo de cinco milhões e duzentos mil reais, eu e Gilberto Cardoso Filho, à época vice-presidente de patrimônio, começamos um trabalho junto aos presidentes da Multiplan, Bozano e Pinto de Almeida, para transformar o empréstimo já aprovado em custo do negócio, isto é, o valor a ser pago pelo grupo para a construção do shopping seria o já acordado em contrato, mais cinco milhões e duzentos do empréstimo, mais o perdão da dívida de oitocentos mil reais, contraída na gestão anterior. Conseguimos e comemoramos muito.

4 - O pagamento dos cinco milhões e duzentos, foi definido pelo consórcio para ser feito em três datas. Em função disso montamos a forma de pagamento por Edmundo junto à Parmalat, concretizando a compra e entregando os cheques com vencimentos sempre um dia após cada pagamento por parte do consórcio. Tudo estava assinado, tudo prontinho, o que me permitiu fazer uma viagem ao exterior, viagem esta, como sempre paga por mim, embora de interesse do Flamengo. Aliás isto foi uma rotina ao longo de nove anos, como presidente e depois como vice-de-futebol.  Jamais admiti o Flamengo me pagar qualquer natureza de despesa, inclusive passagens aéreas e estadias. Estava eu na Espanha quando recebo um telefonema de Michel Assef e Getúlio Brasil. Os dois, muito preocupados, informavam que foram comunicados pelo irmão de José Isac Perez, presidente do grupo Multiplan que, o consórcio somente efetuaria os pagamentos programados, caso o Flamengo desse como garantia o passe de Edmundo. Desta forma, se o Shopping não fosse aprovado, eles minimizariam o prejuízo. Claro que, como sempre, jogaram com a nossa fragilidade financeira. Foram oportunistas. Jogaram um jogo que sabiam não haver como perder. Foi essa a conclusão que eu de lá, Michel e Getúlio daqui, chegamos. Se os pagamentos fossem sustados, os cheques emitidos para a compra de Edmundo não teriam fundos e, consequentemente estaríamos diante de um escândalo nacional, manchando a imagem do Flamengo. Imaginamos a pior hipótese: o Shopping não sendo aprovado. Concluímos que se isto acontecesse, teríamos usado um belo jogador por um bom tempo, sem nada pagar e, não correríamos o risco do Flamengo virar manchete em outra página qual não fosse a esportiva. É bom lembrar que, com o Shopping aprovado, tudo voltava a ser como antes, isto é, o valor da construção do Shopping ficaria em mais seis milhões para eles e, os direitos de Edmundo seriam integralmente do Flamengo. Tudo isto aconteceu na véspera do que seria o primeiro pagamento, portanto sequer teríamos tempo para discutir internamente o problema, quanto mais convocar o Conselho Deliberativo para discutir o tema.

5 - O acidente em que Edmundo se envolveu, em que três pessoas perderam a vida, mudou o curso da história. Como havia o risco do jogador ser preso e todo investimento ir por água abaixo, houve uma conclusão unânime entre o Flamengo e os parceiros para a construção do Shopping de que, se surgisse uma oportunidade, o ideal seria vender o jogador. A oportunidade surgiu. Edmundo foi inicialmente emprestado ao Corinthians e posteriormente vendido ao Vasco. De imediato, o representante do consórcio solicitou ao Flamengo a substituição da garantia. Solicitaram a troca do passe de Edmundo pelo de Júnior Baiano. Tomamos todas as providências, de acordo com a solicitação do Consórcio. Este documento, misteriosamente, desapareceu, muito embora tenhamos provas de que o documento foi produzido.

6 - Enquanto isto, na briga política para aprovação do Shopping, só vitórias, tendo sido a penúltima na Câmara dos Vereadores. Animados e, certos da aprovação do Shopping, pois só faltava agora a assinatura do Governador, os representantes do Consórcio transmitiram a necessidade de abandonarmos a Gávea para que tudo pudesse ser iniciado. Sempre é bom lembrar, que independente da participação no lucro do Shopping, ao longo de 25 anos, à partir daí, o Flamengo seria o proprietário exclusivo e, já teria incorporado o Shopping Center ao seu patrimônio. A Gávea seria reconstruída com um mini-estádio para a equipe de profissionais, com hotel para concentração contando com recursos de primeiro mundo, além do centro de treinamento em Vargem Grande concluído. Ah, ia esquecendo: pela clausula 3.1 do contrato, o Consórcio assumiria de vez os seis milhões e os direitos do jogador que servira de garantia, com os direitos econômicos pertencendo exclusivamente ao Flamengo.

7 - Numa verdadeira corrida de cem metros, o futebol do Flamengo teve que deixar a Gávea, surgindo então o Fla-Barra, com aluguel e investimentos, pagos totalmente pelo Consórcio.

8 - Última etapa vencida. O Governador Garotinho, após notável trabalho de Gilberto Cardoso Filho, assina o projeto. O Shopping estava totalmente aprovado. O contrato, mais do que nunca em vigor.

9 - O início do fim. José Isac Perez, comenta com o Governador Garotinho em meio a um animado coquetel, conforme informação na coluna de Ricardo Boechat, no jornal O Globo, que havia subornado a Câmara dos Vereadores para aprovar a construção do shopping. O Governador, pasmo, após este episódio, revoga o que havia sancionado. Fim do Shopping.

10 - O Flamengo passou após este episódio pelos maiores vexames. O Consórcio parou de pagar o aluguel do Fla-Barra e o Flamengo foi despejado diante de câmeras e máquinas fotográficas em imagens vistas mundo afora.  As dependências do futebol na Gávea estavam um caos e, como não havia para onde ir, o futebol para lá voltou. Vivemos um bom tempo numa verdadeira pocilga. Além disso, o sonho que, por direito já era realidade, de reconstrução da Gávea, do mini-estádio, da concentração de primeiro mundo e da construção do centro de treinamento, foram roubados de nós. O Flamengo, não tomou à época, nenhuma providência para ter os seus direitos respeitados. O Flamengo cumpriu todos os itens do contrato que estava aprovado e em pleno vigor. O Flamengo não deu causa ao rompimento do contrato. O rompimento do contrato foi causado pelo Consórcio.

11 - Pior do que não reclamar os seus direitos, foi a diretoria do Flamengo à época, aceitar negociar uma dívida cobrada pelo Consórcio, quando o Flamengo nada devia. Ao contrário. Quem devia era o Consórcio. E devia muito. A defesa do Flamengo foi a de argumentar que o assunto deveria ter sido encaminhado para ser decidido no Conselho Deliberativo. Argumento de quem está doido para pagar. Também, era o período da farra com o dinheiro da falida ISL. Havia dinheiro sobrando…


RESULTADO FINAL: PATRIMONIAL E FINANCEIRO

FlaGávea não foi revitalizado.
Centro de treinamento não construído.
Mini-estádio e estrutura para o futebol profissional ruíram.
Lucro do Shopping ao longo de 25 anos e, após este período, Shopping incorporado ao patrimônio do Flamengo
Flamengo é despejado do Fla-Barra, com matérias jornalísticas na primeira página do O Globo,  destaque no Jornal Nacional e inúmeros veículos no mundo.
O aluguel do Fla-Barra era pago pelo Consórcio que, após a revogação do projeto pelo governador, não mais pagou, abandonando o Flamengo à sua própria sorte.

Opinião Final de Kléber Leite: A VERDADE É QUE ATÉ HOJE, O  FLAMENGO NÃO PROCUROU OS SEUS DIREITOS.

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