sábado, 7 de julho de 2012

Mário Filho x Nélson Rodrigues - o maior Fla x Flu de todos os tempos

Quem leu A NAÇÃO sabe bem que Mário Filho e Nélson Rodrigues são personagens principais do livro. A primeira parte, os três primeiros capítulos de A NAÇÃO, é toda inspirada na obra "Histórias do Flamengo", livro escrito em 1944 por Mário Filho. por toda a primeira metade do livro há diversos trechos de artigos de Nélson Rodrigues, escritos em jornais e revistas da época, muitos dos quais encontrados na magnífica obra "Anjo Pornográfico", biografia de Nélson escrita por Ruy Castro, que também é autor de "O Vermelho e o Negro". O capítulo "Anos Românticos", em especial, é o mais recheado de todos pelas palavras deste gênio das palavras que foi Nélson Rodrigues.

"Mas não eram dias de todo tranquilos. A vida política na capital andava cada vez mais agitada. Em 1922, o jornal Correio da Manhã publicou uma carta do candidato à presidência da República, Arthur Bernardes, governador de Minas Gerais, para o ministro da Marinha, Raul Soares, na qual o presidenciável fazia referência à venalidade de oficiais do Exército.
A matéria era de autoria de Mário Rodrigues, pai dos meninos Mário Filho e Nelson Rodrigues. Explodiu uma crise sem precedentes dentro das Forças Armadas.
Em paralelo a este acontecimento, o presidente Epitácio Pessoa, paraibano, promoveu uma intervenção federal no governo de Pernambuco, colocando dois navios de guerra, destróieres, em frente a Recife, com seus canhões apontados para a cidade. O marechal Hermes da Fonseca, presidente do Clube Militar do Rio de Janeiro, disputava com o ex-presidente Nilo Peçanha o posto de candidato da oposição na corrida presidencial. Mesmo com toda a polêmica, Arthur Bernardes se elegeu, num pleito do qual dizem que até os mortos participaram, tamanha a fraude. Depois das eleições, apareceu um interlocutor, Oldemar Lacerda, ligado ao marechal, assumindo a falsificação da assinatura de Bernardes na tal carta publicada por Mário Rodrigues. Furioso, Epitácio Pessoa mandou fechar o Clube Militar e prender Hermes da Fonseca. Houve então a insurreição dos tenentes no Forte de Copacabana. As Forças Armadas entraram em choque. Ao fim, dezoito tenentes, abandonados pelos demais revoltosos, marcharam pela praia em direção às forças governistas e acabaram mortos no Calçadão de Copacabana". (A NAÇÃO, pg. 36-37)


"Ninguém discute que o Flamengo seja o clube mais popular do Brasil. Quem é Flamengo prefere dizer o mais querido. Está certo: escolhe-se um clube como se escolhe uma mulher. Para toda a vida ou até que Deus separe. É mais difícil deixar de amar a um clube do que a uma mulher. Qualquer um de nós conhece mais bígamos ou polígamos do que torcedores que mudaram de clube. Ou que o traíram, mesmo que em pensamento. Talvez porque um clube nunca se entrega a um torcedor. O torcedor é que se entrega ao clube ou ao amor por ele. Também pode ser porque o sex appeal do clube não se desgasta com os anos. Daí que exista um amor como de lua de mel: violento, absorvente, exaustivo.” (A NAÇÃO, pg 21, reproduzindo trecho de "Histórias do Flamengo", Mário Filho, 1944)

"Mário Filho contava que, quando a vitória era de campeonato, o Fluminense fazia um corso, com os carros de capota arriada, como se fosse um domingo de carnaval, mas sem confete nem serpentina. Era uma passeata elegante, comportada, bem-educada, como se dizia noutros tempos. Terminava com um grande baile de gala nas Laranjeiras. Não era aquela algazarra do Flamengo, aquele carnaval, carnaval mesmo, fora de época. Quando era vitória do Flamengo, tudo acabava em reco-reco na garagem, na mais pura algazarra". (A NAÇÃO, pg. 21)

"Ainda segundo Mário Filho, uma vez, o capitão do time de futebol campeão de 1912, Alberto Borgeth, disse-lhe que ela viera dos treinos na praia do Russel. A Prefeitura mandara fazer no local um campo de futebol, com gramado, balizas e tudo mais, dando pela primeira vez uma ideia da importância que adquirira o futebol no cenário esportivo do começo do século XX. Era um campo mais para a garotada – como outros –, não era para um time da Primeira Divisão, como o Flamengo. Só que o Flamengo não tinha campo e era obrigado a treinar em praça pública. À tardinha, os jogadores saíam do número 22 da praia do Flamengo – um misto de garagem de remo e cabeça de porco –, onde mudavam de roupa, e vinham pela calçada, com as chuteiras rangendo no cimento, até chegarem ao campo do Russel. A garotada acompanhava o time, apontando o Píndaro, o Baena, o Gallo, o Borgeth, o Gustavinho. Para Alberto Borgeth, ali estava a explicação de tudo. Assim, a falta de um campo fez o Flamengo misturar-se ao povo, aproximar-se dele. Os garotos, em busca de ídolos, iam ao encontro deles no campo do Russel. Podiam tocá-los, podiam devolver-lhes as bolas que iam fora. E haviam de contar em casa, na escola, que tinham conhecido o Neri, que tinham batido nas costas do Amarante, que tinham apertado a mão do Baiano". (A NAÇÃO, pg. 22)

"Como descreveu Nélson Rodrigues, fanático torcedor do Fluminense, em uma de suas crônicas esportivas, em meados da década de 1960: “Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo. Para o Flamengo a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte: quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada por invisíveis mãos. Adversários, juízes, bandeirinhas tremem, então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável". (A NAÇÃO, pg. 77-78)

Outras do Nélson:

"Poucas instituições serão tão abrangentemente nacionais quanto o Flamengo - a Igreja Católica, sem dúvida, é uma delas, e, talvez o jogo do bicho. E olha que o Flamengo não promete a vida eterna e nem o enriquecimento fácil. Ao contrário, às vezes mata de enfarte e, quase sempre, só dá despesa. Mas uma coisa ele tem em comum com a religião e o bicho: a Fé! Por onde vai, o Rubro-Negro arrasta multidões fanatizadas. Há quem morra com o seu nome gravado no coração, a ponta de canivete. O Flamengo tornou-se uma força da natureza e, repito, no Flamengo venta, chove, troveja, relampeja. Cada brasileiro, vivo ou morto já foi Flamengo por um instante ou por um dia."

Nélson Rodrigues, em artigo publicado em O GLOBO em 25/11/1963: "Amigos, para os idiotas da objetividade, a camisa é um vago trapo. Mas para quem conhece o Flamengo, a coisa é muito mais misteriosa e muito mais dramática. Nos momentos da catástrofe, o rubro-negro iça a camisa como um estandarte de chama".

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