sábado, 17 de novembro de 2012

A Modernização nunca foi um processo simples e fácil, sempre foi desgastante e sob forte resistência...

"O Flamengo sempre parecia mais vivo, mais agitado, como em ebulição permanente. No início dos anos 30, o Flamengo estava em guerra, e estando em guerra, aceitou a disciplina prussiana de Bastos Padilha, seu novo presidente. O mais curioso é que Padilha pertencera à República Paz e Amor, vivera aquela vida de estudantes. Padilha queria transformar o Flamengo no maior clube do mundo. Mandou construir o estádio da Gávea (há anos o Flamengo fora despejado de seu primeiro estádio, na rua Paissandu). Aquilo foi taxado como uma loucura. Construir um estádio de futebol naquele pântano de fim de mundo. Em 1930, se questionava como as pessoas chegariam à região da Gávea. Não dava. Padilha foi ainda buscar um técnico europeu e encheu o Flamengo de jogadores argentinos. Também contratou os maiores jogadores que haviam passado pelo Rio de Janeiro. O clube parecia pronto para consolidar-se como o Mais Querido do Brasil". (A NAÇÃO, pg. 44)
 
"O presidente do Flamengo, José Bastos Padilha, estava disposto a transformar o Flamengo no maior clube do mundo. O projeto começou com a tentativa de formar um supertime, em 1936, para voltar a vencer o Campeonato Carioca, coisa que, como foi dito, o Flamengo não conseguia desde 1927.
 
O segundo ponto do projeto era a construção do estádio da Gávea (na época, dizia-se que aquela área era um lodaçal de fim de mundo, num terreno que anos depois se tornou uma das áreas mais nobres e de maior concentração de renda da cidade, entre os bairros da Lagoa e da Gávea). O Flamengo carecia, com urgência, de um estádio. (...) se conseguiu o terreno na Gávea, onde começou a construção do novo estádio. Entre 1933 a 1938, antes da conclusão da obra, o Flamengo teve que mandar seus jogos no campo do Fluminense, nas Laranjeiras, que ficava em frente – literalmente do outro lado da rua – ao campo da rua Paissandu.
 
O terceiro passo foi a contratação, em 1937, de um treinador estrangeiro, o húngaro Dori Kruschner. A Hungria, vice-campeã do mundo em 1934, era tida como a elite do futebol mundial, junto à Itália, que vencera as Copas do Mundo de 1934 e 1938. Kruschner não falava português, necessitava de tradutor. Mas, ainda assim, introduziu um sistema de jogo até então novo no Brasil, a formação tática batizada de WM. A revolução na forma de jogar à qual se propôs o levou a ter problemas de relacionamento com jogadores, que questionavam seus métodos. O maior problema foi com Fausto, uma das estrelas do time, e conhecido amante das noites cariocas. O húngaro ficou exatos dezessete meses no Flamengo. Estreou em 11 de abril de 1937 (vitória de 5 a 3 sobre o Atlético Mineiro) e saiu em 11 de setembro de 1938, uma partida após a primeira que foi disputada no recém inaugurado estádio da Gávea (derrota de 2 a 0 para o Fluminense).

O quarto passo de Padilha, complementando a internacionalização do Flamengo, foi a contratação de uma leva de jogadores argentinos. O primeiro a chegar foi o goleiro Talladas, que estreou em 11 de abril, na vitória sobre o Atlético-MG, na qual também estreava o treinador húngaro Dori Kruschner. Em 11 de julho, o Flamengo fez um amistoso contra o combinado Becar-Varella, formado por jogadores argentinos que, insatisfeitos, haviam abandonado a liga de seu país. Deste combinado, o Flamengo adquiriu os meias Arcadio Lopes e Villa, e os atacantes Cosso e Valido". (A NAÇÃO, pgs. 49-50)
 
"Dori Kruschner chegou com a fama de maior técnico de futebol da Europa. Seus problemas no Flamengo começaram quando ele achou que Fausto não aguentava mais dois tempos. Quis botá-lo de beque, jogando na defesa. A turma do Café Rio Branco, com o ex-técnico Flávio Costa à frente, resmungou. Fausto recusou-se a jogar na zaga. Foi afastado por Padilha. O Café Rio Branco arrumou até advogado para ele. Eclodiu a perseguição a Kruschner. Onde já se vira aquilo, mandar buscar um treinador na Europa? Onde já se vira querer ensinar futebol? Futebol já se nascia sabendo, o que era bom se nascia feito, resmungava a turma do Rio Branco. Em sua primeira temporada, as vitórias abafaram a crítica. Em seu segundo ano à frente da equipe, sem Fausto, que, para o Café Rio Branco inteiro, caíra pelas mãos do húngaro, aumentaram as críticas. Piorou depois da decisão de recuar um pouco o Leônidas. Aí o Rio Branco decidiu que deveria vaiar o time, para forçar a queda de Kruschner. Ele foi batizado de O Açougueiro de Viena, em alusão ao império austro-húngaro, que apoiara os alemães na Primeira Guerra Mundial. Assim foi, tome vaia cada vez que o time entrava em campo. Não demorou muito e Kruschner caiu.
 
O técnico húngaro Dori Kruschner
 
Apesar da bela campanha no Carioca de 1937, o vice-campeonato ficou entalado. Após o fim do torneio, dos cinco argentinos que chegaram, apenas Valido continuou. No Torneio Municipal – entre os Cariocas de 1937 e 1938 – o Flamengo fez campanha pífia: cinco vitórias, um empate e dez derrotas. Mas vale ressaltar que seus dois principais jogadores, Domingos e Leônidas, estavam disputando a Copa do Mundo de 1938, na França. O receio de novo fracasso colocou o húngaro na berlinda. O técnico Dori Kruschner, depois do fim do campeonato, passou a ter problemas com o grupo, que parece que o boicotou propositalmente para que ele caísse. Ele acabou demitido, mas o título não veio mesmo assim. O Flamengo foi novamente vice-campeão, e o Fluminense conseguiu conquistar o segundo tricampeonato carioca de sua história naquele ano". (A NAÇÃO, pgs. 51-52)
 
Se não fosse o espírito revolucionário-modernizador de José Bastos Padilha, avô do diretor José Padilha, de Tropa de Elite, talvez o Flamengo jamais tivera vindo a ser o que é hoje. Foram naqueles tempos que o Flamengo pavimentou sua história como "O Mais Querido do Brasil".

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